sábado, 11 de setembro de 2010

Lilith

Hoje a noite está ensanguentada
Dá pra sentir na barriga
No cavalo selvagem estancado do outro lado da rua
Em sua crina espessa e negra
Nos lábios cruéis do quarto crescente
No rubor das nuvens violentadas pelo vento

Nix perdeu quaisquer escrúpulos
E desmanchou-se em assassínios
É o bicho de sete cabeças
Um bico de seio expiado do decote
O Cheiro do ralo cortando os barracos de D. Helder
"Que só se voltava ao céu a ver se chovia"
São os anjos pornográficos no buraco da fechadura

O sereno da noite foi parar nas macas do S.A.M.U
Chapado de analgésicos, anorexo da alma
Cada vez mais fina, o estreito vão dos desejos
O boca larga, amor, em crises de bulimia
A igreja de todos os bêbados
Duchamp e o sino das descargas
O gosto amargo da hóstia que sai

Nott hoje não está silenciosa
O grito de Munch além do Porto
As garotas da Guernica se espalham
Pelas esquinas do Cais
O Bacurau voa rasante a procura dos Gabirus
O cio dos gatos é mais alto que o sono
Mais denso que o sonho
E muito além do aceitável

Os dentes libidinosos da lua
Posam de alegoria para o bloco
Dos Tentadores de Sto. Antão
Animalizando os indigentes, os promíscuos
Despetalando a flora da noite
Espiralando a boca de baixo
Vermelha e quente
Fungando rente como labareda
O cangote dos quadros de Bosch

Com seus dedos negros
Levou a mocidade para aventuras
E deixou os entes órfãos
Fartou-se das lágrimas de melancolia
Das mães burguesas
E dos pais condescendentes
Nas ruínas da família liberal
Pousou suas costas e cochilou sem culpa
Sem dogma
Sem Deus

Entre gemidos, Lilith dilatou o tempo
Entre uivos de gozo, engoliu Cronos
Em seu sexo farto e infindo
Afundou as horas em suas pernas
E não se permitiu jamais gozar
Assim o dia não raiou
Enquanto a gargalhada metálica dos satélites
Era perpetuada de ouvido a ouvido
Onde o falo de Apolo não alcança
E a lança de Adão prevarica

Nenhum comentário:

Postar um comentário