terça-feira, 21 de setembro de 2010

Branco

Como é possivel
Olhar para o céu e sentir prazer em vê-lo com nuvens brancas
Porém ficar triste por não haver nada além disso
Saber que ele está iluminado
Mesmo que o Sol não tenha aparecido

Um grande tapete branco
Que traz uma chuva fina
E um vento frio
Que apesar dos casacos
Camisas, pêlos e gorduras que trago em meu corpo
Esse frio entra de alguma forma
Na minha pele
Ele me congela por dentro aos poucos
Dedos
Lingua
Olhos
Cabelo

A única peculiaridade é que eu não me importo
Não faz diferença
Eu desde o princípio quis isso
Mesmo que seja afirmado o contrário
Apenas espero que o céu se abra de novo


Autor: Henrique Marcos Testa,
O gostoso do meu irmão, vou até botar uma foto dele fazendo aquele negócio especial que só ele sabe fazer  desse jeitinho pras gatenhas babarem na gravata:





domingo, 19 de setembro de 2010

Poema aos olhos da amada

À Thaís Sanches
O ciclo das águas douradas
Escorridas do sumo da ambrósia1:
Consumida, excretada, fertilizada
Colhida, fermentada, novamente servida
E consumida bem gelada

Um friozinho na barriga
Reconhecer os amigos no olhar
O desejo do encontro
Entre tantos cruzamentos
Entre tantas avenidas2
Na mais sonora solidão do trânsito3

Os caixões movidos a álcool e gasolina
Enterrados no engarrafamento
Escutando o sinal fechado4
Eu vou bem e você, como vai?

Não desconfiam a metáfora de nossas lápides
Penduradas na lataria:
Um brasão em brasas, escudo e marca do consumo
E uma placa de identificação "KFZ-1348"5

A certidão para nascer6 e morrer7
Entre tantos fantasmas sem rosto
Narcisos ao oposto
Sem endereço nem conta à pagar
Filhos legítimos do tempo presente
Amamentados nas tetas de uma cidadânia expressa
No berço esplêndido do estado paternalista

A todos aqueles que não sabem o que foram
Nem se importam com o que serão
A todos aqueles que quando deixarem de ser
O que são
Nem mais foram, nem mais serão
Não são

Essa diferença é breve e persistente como os fios do bixo da ceda
Mas é toda a diferença
A única que interessa
Sem ela não se separaria
O credo da crença
Nem a pluma se distinguiria da pena

E foi leve como a pluma e livre como a pena
Que nossos olhos se encontraram entre tantos cruzamentos
A sete palmos de tráfego8
Pelas janelas de nossas sepulturas
"Qual a música que tanto você escuta no rádio?"
Entre o silêncio de nossos carros
Na trajetória de nossos olhos

O sinal abriu, a procissão9 segue
E entra o mistério das buzinas
Você dobra a esquina e eu sigo em frente
Eu dobro a vida
Fantasminhas me pedem dinheiro
E eu me dobro10 em dívidas11

Estaciono no bar
Conformista, burguês, classe-média, alienado
Pastiche de clichês e rótulos
Feliz pelo minuto e meio de comercial
Viril como uma carteira de cigarros12

Desculpe meu bem
Eu sei que sou meio prolixo
Mas é que tudo anda tão sintético
Eu queria falar de teus olhos
Só deles, meu bem13


AVISO IMPORTANTE: Quarta-feira, dia 21/09/10, publicarei aqui no blog o primeiro poema escrito por meu irmão, Henrique Marcos Testa, chamado "Branco"... Só pra ser coruja mesmo. Abraços.

sábado, 11 de setembro de 2010

Lilith

Hoje a noite está ensanguentada
Dá pra sentir na barriga
No cavalo selvagem estancado do outro lado da rua
Em sua crina espessa e negra
Nos lábios cruéis do quarto crescente
No rubor das nuvens violentadas pelo vento

Nix perdeu quaisquer escrúpulos
E desmanchou-se em assassínios
É o bicho de sete cabeças
Um bico de seio expiado do decote
O Cheiro do ralo cortando os barracos de D. Helder
"Que só se voltava ao céu a ver se chovia"
São os anjos pornográficos no buraco da fechadura

O sereno da noite foi parar nas macas do S.A.M.U
Chapado de analgésicos, anorexo da alma
Cada vez mais fina, o estreito vão dos desejos
O boca larga, amor, em crises de bulimia
A igreja de todos os bêbados
Duchamp e o sino das descargas
O gosto amargo da hóstia que sai

Nott hoje não está silenciosa
O grito de Munch além do Porto
As garotas da Guernica se espalham
Pelas esquinas do Cais
O Bacurau voa rasante a procura dos Gabirus
O cio dos gatos é mais alto que o sono
Mais denso que o sonho
E muito além do aceitável

Os dentes libidinosos da lua
Posam de alegoria para o bloco
Dos Tentadores de Sto. Antão
Animalizando os indigentes, os promíscuos
Despetalando a flora da noite
Espiralando a boca de baixo
Vermelha e quente
Fungando rente como labareda
O cangote dos quadros de Bosch

Com seus dedos negros
Levou a mocidade para aventuras
E deixou os entes órfãos
Fartou-se das lágrimas de melancolia
Das mães burguesas
E dos pais condescendentes
Nas ruínas da família liberal
Pousou suas costas e cochilou sem culpa
Sem dogma
Sem Deus

Entre gemidos, Lilith dilatou o tempo
Entre uivos de gozo, engoliu Cronos
Em seu sexo farto e infindo
Afundou as horas em suas pernas
E não se permitiu jamais gozar
Assim o dia não raiou
Enquanto a gargalhada metálica dos satélites
Era perpetuada de ouvido a ouvido
Onde o falo de Apolo não alcança
E a lança de Adão prevarica

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Giacomo de Marco Testa

Permita que eu seja teu amante
E não teu amado
Para que tu gozes a mocidade antes
Que os cabelos embranqueçam

E eu mantenha teu sangue caliente
Antes que o inverno desabroche em varizes
E este fruto atinja a maturidade
Permita que eu regue esta semente
Seja a água que absorve teu  caule

Permita que eu não seja teu redento
E sim o teu pecado
Que eu desperte no teu peito de donzela
Os deleites do momento
A vulgaridade que tempera a carne
O ser por inteiro que atravessa o tempo presente

Permita que eu seja teu amigo
E não teu namorado
Que eu tenha a nobreza dos menestréis
Das cantigas do passado
E te entranhe como a musa
Mistifica o inspirado

Que nos unifiquemos sem culpa
Sem o julgo da doutrina
Protegidos nos muros altos
De um castelo isolados lábios
Onde possamos ser livres

Dos outros
Para o outro
E do outro

Permita que eu seja Giacomo Casanova
Ou D. Juan de Marco
Um deslize de menina
Um presente do passado

A certeza que pelo menos uma vez
O amor te desejou completa
O amor te buscou sem trégua
E não deitado, jogado, desleixado
De costas, na cama, ao teu lado

Para nos trancarmos num quarto
Muito além do preconceito
E confessarmos sem medo ou ciúme
As desilusões do amor verdadeiro
Sem deixar de nos amarmos
Quanto mais nós amaremos

Como filhos do mesmo órgão despedaçado
Ou almas gêmeas que caminham
Para o mesmo destino trágico
E se confundem em segredo
Para dividir o mesmo fardo

Permita que eu seja teu amante
E não teu carrasco
Que eu nutra tua lua crescente
E te veja desabrochar saudável
No solo árido do ser amado

Permita que eu provoque tuas espinhas
E não teus calos
Que eu te apresente livros, discos, poetas
Que te desperte sentidos, impulsos, sabores
E não teu desfecho
E não teu estrago



Um poema romântico, que versa sobre o envelhecimento, sobre os remorsos, os desgostos e os sacrifícios que nos custam envelhecer sem envilescer, eis a questão. E ao mesmo tempo safado, devido à minha vocação para amante.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Limite

Onde a faca corta o punho
Uma lágrima furtiva
O primeiro trago
Noites e noites na frente da tela
Assistindo reflexo e estática
Pelo tubo convexo e estético

Entre o real e o imagético
Duas lágrimas furtivas
O segundo trago
As manhãs agarradas ao travesseiro
As madrugadas entaladas na garganta
O gargalo d'água que alaga as casas de Jaboatão

Pela Veneza que é devassa
Três lágrimas salgadas
O terceiro trago
Por todos que choraram Jesus
Sem verter pranto por tantos outros
Apregoados a Cruz

Uma paixão sadomaso pelo Calvário
Um sinal de anjo decaído
Um sempre cair
E flutuar na imensidão do poço
 O poço do fundo do poço do fundo do poço sem fundo
Em que visto a máscara que visto por cima da máscara que visto por cima da máscara
Procurando meus olhos no espelho

Entre o divino e Narciso
Sete lágrimas copiosas
O décimo segundo trago
Um girar até o vértice infindo
A curvatura da aresta
E a elipse da face
Eclipse oculto do rosto de uma humanidade Pan

Onde arrebenta o horizonte
Incontáveis lágrimas sem dor
Não sei mais quantos tragos
Não sei mais quantos foram
Não sei mais quanto posso

Limite

http://www.youtube.com/watch?v=w0heX2tqJEI

Então pessoal, "Limite" foi o poema que fiz para a final da 6ª edição do Recitata, concurso de poesia e performance promovido pela prefeitura do Recife através do G.O.L.E, órgão da secretária de cultura.

Tem algumas coisas especiais nesse texto: Ele segue a proposta do "primeira jornada" sendo um poema de busca e não de constatação, entretanto em seu caso particular a busca foi levada a outro patamar. O poema foi completamente escrito em processo, ou seja, não é algo "que apresentei", mas o caminho encontrado na jornada do "quê apresentar" na en-cruz-ilhada da semana que tive para prepará-lo literária e performáticamente.

O tema do poema, limite, veio de eventos da semana em que compus o poema e da semana anterior. O tema surgiu a partir do próprio Recitata. O concurso permitiu rever amigos do meio literário que há muito não via. Meu reencontro com os malucos literários e essa enxurrada repentina de poesia nos meus sentidos, que andavam afastados dessas loucuras da metáfora, me levaram a perguntas tais "pra quê serve tudo isso?", "o que faz um bom poema, o que o faz especial, relevante, provocativo?".

Ultimamente, para mim, arte não é criação, mas sim traição. Uma ruptura com as idéias estabelecidas pelo senso comum. Como se sabe, todos os idiotas acham que as idéias do senso comum sempre estiveram ali e por isso qualquer coisa diferente delas é "nova".

Estava tão preocupado em romper que quando perguntei-me "mas romper o quê", percebi que estava cego demais em minha ganância para enxergar e ler o mundo.

Essas reflexões somadas a pressão da apresentação eminente dentro de alguns dias me consumiram a tal ponto que faltei à responsabilidade com pessoas queridas que contavam comigo, fui repreendido seriamente e acusado de "não ter limites para o meu ego" e de ser "socialmente antiético".

Milhares de acontecimentos  tomaram vez nessa semana que precedeu a apresentação: A palestra de João Silvério Trevisan "existe literatura homoerótica?", a apresentação da dramaturgia do exercício de conclusão da E.S.T (Escola Sesc de Teatro) e o primeiro recital do Dremelgas literárias com a nova formação.

Isso tudo até quinta, a apresentação seria domingo, faltavam três dias e eu não tinha idéia do que faria. Eu considerava dois temas para o poema final: Um seria "a quarta parede", poema pronto que trata do paradoxo  no prazer egoísta; o outro que considerava era "a queda da máscara", não o poema do post anterior deste blog, mas um homônimo que trataria do problema da identidade composta do homem contemporâneo.

Como se vê, há repetições nos temas que são análogas ao tema do limite, à pergunta "até onde eu vou? qual o tamanho? qual o limite? até onde vai a idividualidade? até onde existe prazer? em que parede esbarra o ego?" porque a mim pareciam esses perguntas todas armadilhas para uma resposta trágica.

A partir de sexta decidi levar essa busca às últimas consequências. Recibi um conselho do poeta Biagio Picorelli, que admiro muito, que disse "faça o poema enquanto você monta a apresentação, não separe as coisas".

Durante as manhãs de sexta, sábado e domingo tivemos na E.S.T oficina de indumentária com a charmosíssima Adriana Vaz, uma paulista corintiana que gosta de chamar os outros de "Darling", como na peça do Vivencial. Pois bem, quando não estava na oficina todas as minhas energias se voltaram para o processo do poema que se chamaria justamente "limite". Assisti a primeira aula sexta de manhã e ouvi Adriana falar sobre a teia de referencialidades que compõe a arte contemporânea, novamente a questão de como a identidade e a abordagem de um argumento caracterizam a arte hoje. Novamente os limites do eu em relação ao espaço, que é uma abstração do outro.

Saí da aula direto para o centro da cidade comprar os materiais da performance. Conforme olhava coisas e mais coisas e mais coisas, ao ver umas cordas penduradas no teto de uma tenda do mercado de S. José tive a visão da metáfora imagética que gostaria de construir para avançar nessa busca por limites em que me engalfinhava.

Do mercado fui para a Universidade Federal me encontrar com Pedro Augusto Correia de Araújo, gostosíssimo amigo que compôs e executou a trilha sonora da apresentação. Ele já mencionara que gostaria de tocar um blues, portanto foi ouvindo o blues tema que ele gostaria de tocar e com os materias comprados que comecei a esboçar o texto sexta à noite, na Federal. Claro que nós não conseguimos nos concentrar muito no ensaio, enquanto ele tocava e eu escrevia, toda hora passava um conhecido, uma gatinha, alguém que nos convidava para um bar. Além choveu.

Não sei separar o que foi ensaio e o que foi farra nesta noite, trabalhamos no poema, paqueramos, bebemos, conversamos com amigos, fizemos rodas de viola, fumamos de tudo.

Quase meia-noite Pedro vai pra casa e eu vou pra casa de Jerônimo, um amigo, que estava com a namorada e uma amiga. Fico até as três da madrugada bebendo e jogando Uno com eles. Daí por diante Jera se fecha com a namorada, a amiga me rejeita e eu termino o resto da noite em claro na rede da sala, olhando nuvens, ouvindo roncos, insetos e ouvios enquanto pensava "Qual o sentido disso tudo? Estou mesmo chegando em algum lugar? Qual o fim da farra? De que tudo isso me serve? E por que não largo, por que não desisto? Por que persisto no vício?"

Saio bem cedinho porque tenho aula sábado de manhã, a tal oficina de indumentária. Chego em casa apenas a tempo de trocar de roupa e comer algo. Fico até as duas da tarde em aula. A apresentação é no dia seguinte, eu já estou a um dia sem dormir e não terminei o texto. Ligo para Pedro e combinámos de nos encontrar na cidade, ao entardecer, para terminar o texto e ensaiar.

Na mesma noite toca num bar Kalouv, www.myspace.com/kalouv, banda de amigos nossos e somos intimados a assistí-los. Chego em casa quatro da tarde, almoço, caio no sofá e durmo.

Acordo já atrasado para meu encontro com Pedro, 18:30, durmi duas horas e meia. Painho insiste que eu fique para jantar antes de sair e eu fico. Falo com Pedro ao telefone e ele ainda não saiu de casa também. Chovia muito no Detran e ele não poderia levar o violão para ensaiarmos debaixo de tanta chuva.

Nesse vem e vai chegamos no pico lá pelas 22h, e Pedro sem o violão para ensaiarmos. A apresentação é no dia seguinte e não tem nada pronto. Mas nem ligamos. Passamos a noite bebendo e cantando e fumando muito com amigos. Eu tenho uma bad terrível numa moça do bar, escrevo um texto para ela e mando pelo garçom. Sou sumariamente ignorado. Uma amiga fica tentando me consolar, outra me esculhamba completamente escarnindo minhas opções sexuais e minhas roupas.

Pedro volta comigo. Vai dormir na minha casa para que possamos terminar a apresenetação e ensaiar. Só que o show do Kalouv termina depois 4h da manhã. Fomos esperar o busão na Agamenon que só passou às 6h depois de muitas aventuras com passarinhos, fiteiros e as demais pessoas da parada.

Chegamos na minha casa às 8:30 da manhã mortos de sono. Minha aula é as 10:00, uma hora e meia. Não dá pra dormir, não dá pra terminar o texto. Pedro capota logo e eu fico na minha rede repetindo pela milhonésima vez as mesmas perguntas, cada vez o limite mais maduro.

Quando levantei da rede para ir à aula não estava nervoso. Me parecia natural que pelo processo que escolhi para desenvolver esse texto, um processo que não se detacha de seu produto, em que o fazer e o feito não se separam. Me pareceu óbvio que o texto só estaria pronto para ser apresentado no próprio momento da apresentação, porque o texto não seria algo escrito que eu repetiria para uma platéia em determinado momento, mas o poema seria o próprio momento, um lugar no tempo e no espaço, dentro de uma vivência maior.

Fui à aula, voltei para casa, Pedro havia tomado todas as cervejas de casa e falava putaria com meu irmão na varanda enquanto dava em cima da vizinha. Sentamos juntos, terminei uma versão do texto, harmonizamos com a música tema, nos preparamos e apresentamos. Decorei o texto no carro a caminho da Torre Malakof e troquei palavras durante o próprio ato de apresentar conforme achei necessário, tudo com muita liberdade.

Isso trouxe ao ato de apresentar o texto uma energia mítica, pela hibris que que a gerou, mística, pelos aspecto insondável de sua existência, religiosa, pois fruto de enorme sacrifício - uma semana escravizado por uma idéia, três noites sem dormir, inúmeras drogas, incontáveis tentativas de relação com o outro frustradas em algum nível de significado - e fé - uma crença inexplicável no propósito de tantas ações superficial e isoladamente inúteis; antropológica, filosofica e social, porque essencialmente humana e fruto de muita reflexão e interação com o meio.

A convergência de todas essas energias puderam transformar aquele momento banal de declamar um texto num instante de amor, de paixão, de extraordinário. Um momento onde a linha que separa os homens dos deuses, seus ideais, pôde ser exposta à todos e redimensionada, dilatada, tensionada, afrouxada.