domingo, 15 de agosto de 2010

A queda da máscara

Me deixou na mão, na palma da mão
Minhas leituras tendenciosas
O futuro esculpido em linhas tortas
Eu dava um jeito de malabarista
E ia enrolando, te enrolando
A ver se terminávamos enroscados
Nos enroscando

Num amor que não pode dar certo
Eu me contorcia a ver nas tuas mãos
Quanto seriam teus netos
Ou se eu seria, talvez, avô

A poesia escondida em carne viva
As linhas sanguínias de nossos olhos vermelhos
Que não choravam
Mas riam e riam e riam
Como se algo valesse a pena ou sacrifício
A ver se o jogo das profecias mantinha nossos dedos unidos
Só mais um cadinho pro fim, que é pro fim
Meu amor, é sempre pro fim
Que nós nos gostamos e queremos

A eterna certeza da partida
Sim, meu bem, eu sempre soube que você partiria
Mas confesso que esperava o fim de um ato, de um quadro
Ou até mesmo uma ceninha entitulada:
"O amor dos que estão destinados a partir"

A compreensão consumista do trágico
Eu sempre soube que você, cortina
Fecharia teu veludo vermelho
E deixaria o palco vazio, as tábuas do tablado
Gemendo de tesão e cio andrógino e solitário

O que eu esperava, meu bem, era o teu espetáculo
Que tu surgisses na luz e declamasse um poema de Lorca
Franja mascarada e curta de Cleopátra
Ou Medusa
E deixada tua deixa que não me deixa nada
Partiria já meio embriaga tropêga na saia florida
Para o obscuro mistério das coxias

O batom vermelho, o lábio curto da orgia
O que não via em minhas profecias loucas
Era o branco, tua estátua impávida e muda
Não era branco do verso, era o branco do mármore gelado
Era a ausência absurda, um fetiche por teus pés de solavanco
Era mesmo um beijo, mas de beijos não se fala
Um segredo úmido entre duas palavras

Era comprimentar desconhecidos na rua
E descobrir quão linda é a inevitável esquisitice
Dos esquisitos porcos deuses cristalinos diamantes
Receber dos indigentes beijouterias de arame
A límpida beleza do prisma caleidoscópico
A energia desconstruída, o fluxo interrompido

Meus gestos de mímico na boca de cena
Despida a máscara, abandonei o rosto de meus Deuses
Nas arquibancadas
E me fiz homem, cara à cara ao tapa de teu branco
De teu múrmurio silencioso e acanhado de coxia
Sim, minha companheira sem amor sem companhia
Eu estava no fogo, no foco
Entreguei à audiência, que dormia e ainda dorme
Uma réplica tresloucada para um diálogo de sombras
E fui o fenômeno mor entre os insígnes
E o lapso sútil entre verdades

Jazz do coração, chá de Alice na toca do Antigo
A loucura muito além da lucidez, azul ou branca
Blusinha Jeans ou cinto de couro vermelho
Uma olhar egípcio delineado e cosmético
Eu fui quem cobriu teu corpo sobre as luzes
E te disse quem era de peito aberto

E não digo mais nada
E não visto mais máscara
E não finjo mais eu

Abertura

Há dois anos, criei o blog www.conselhosdeumpoeta.blogspot.com, com um trabalho de 21, 22 poemas, coisa assim. Publiquei os poemas, um por semana, e fim. O blog serve como livro virtual de um trabalho. Não posto novos textos para preservar a unidade e coesão daquele trabalho. Toda a estética do blog - cores, imagens, tipografia - também foi escolhida para enfatizar os assuntos tratados por aqueles textos.

O "primeira jornada" é algo parecido, mas um pouco diferente. Meu blog para postar textos soltos é o www.desconceito.blogspot.com, que está fechado há uns meses por besteira minha. Isso não significa de forma alguma que parei de escrever, e os textos que tenho escrito, principalmente a partir do segundo semestre de 2010, assim como os textos do "Conselhos", têm coerência e unidade entre si. Por isso decidi dedicar um blog inteiro para eles. Assim, quando cansar desta forma de escrever poemas que tenho exercitado abandone este blog como um fantasma bem delineado e coeso.

Mas então, o que é "A primeira Jornada ao Absoluto"? A palavra Jornada me agradou porque são poemas de viagem. Não falo das viagens geográficas, mas das espirituais que faz o escritor à procura do texto. Da dura empreitada do poeta ao encontro da poesis.

Essa busca me interessou pela natureza dos poemas que vinha escrevendo. Antes da série que apresento neste blog escrevia poemas imaturos, como ainda os são esses que apresentarei aqui, mas cristalinos. Eles encerravam em suas formas e materiais uma impressão estática de minha mocidade. A vivência já estava morta e incinerada em mim. O poema era certo, mesmo quando duvidava era certo, sabia desde a partida onde ficava a linha de chegada.

Quando comecei a escrever os poemas da "Primeira Jornada" não sabia aonde chegaria, apenas desejava escrever daquela forma. Uma condição de processo pareceu unir todos esses textos: uma total falta de maturação das experiências que desencadeariam a poesia. São poemas escritos em sarjetas lá pras tantas da manhã, depois que todos já foram dormir. Ou em paradas de ônibus enquanto se espera o bacurau.

Os poemas deste blog não são cristais, constatações do espírito; mas o próprio processo de sua cristalização, eles são os trabalhos de meu espírito aglutinados e expostos no papel. Portanto, se haverá cristal ou não ao fim varia. Essa questão do produto acabado perde a importância face ao que eu ofereço: Minhas energias, meus caminhos, as minhas impressões de mundo se desenvolvendo, se desdobrando.

Assim, partimos eu, texto e leitor, juntos, de um determinado ponto, até mesmo com uma certa noção de para onde iremos, mas dali para onde realmente vamos, onde encontraremos nossa linha de chegada pouco importa. O que importa é a caminhada, são as curvas e as surpresas que encontraremos pelo caminho e que muitas vezes nos convidarão a mudar de rumo. E desses rumos e curvas ao desconhecido passamos a andar para não sei. E é aí, neste ponto que a poesia finalmente roça no caos, no sagrado, no inexplicável. Finalmente a energia que emana das palavras parece mostrar ao leitor que seu grito é uma luta surda para dar a ver o que ainda não é possível escrever.

Também percebi depois de os olhar com alguma distância, que essa característica de poema mais processo que produto dá a eles uma imaturidade, um excesso que eu poderia muito melhor aproveitar como traço de estilo que rejeitar como vício de mau escritor. Talvez eu seja realmente um mau escritor, mas esses poemas excessivos, exagerados nas imagens, caóticos e por vezes incoerentes, cujos ritmos, rimas e métricas são terrivelmente intuitivos e desleixados - verdadeiro combate de náufrago para não afogar-se - me permitem transmitir a atmosfera de angustias e excessos e bagunças da geração XI, da qual faço parte, e são tão mais coerentes com a minha personalidade que me parecem espelho muito mais fiel do que passamos nessa infinita jornada ao absoluto de cada dia. Em suma, percebi que me sinto muito mais à vontade escrevendo assim.

Quanto ao último nome, "absoluto", por quê? Ele é um nome que me chegou depois e está relacionado à uma temática que pode ser encontrada em todos os poemas, tanto em seus temas quanto em suas formas. Todos os textos, cada um do seu jeito, expõe uma luta pela completude. Imagino que numa sociedade de tantas possibilidades, com tantas  referências e uma complexidade nunca vista de escolhas, a certeza, a sensação de harmonia, de estar integrado por completo ao sistema que o cerca seja impossível. Porém, mesmo que impossível, ela não deixa, de forma alguma, de assombrar nossos sonhos mais intimos.
 
Pronto, dessas viagens todas nasceu o nome "Primeira Jornada ao Abosuto".