domingo, 19 de setembro de 2010

Poema aos olhos da amada

À Thaís Sanches
O ciclo das águas douradas
Escorridas do sumo da ambrósia1:
Consumida, excretada, fertilizada
Colhida, fermentada, novamente servida
E consumida bem gelada

Um friozinho na barriga
Reconhecer os amigos no olhar
O desejo do encontro
Entre tantos cruzamentos
Entre tantas avenidas2
Na mais sonora solidão do trânsito3

Os caixões movidos a álcool e gasolina
Enterrados no engarrafamento
Escutando o sinal fechado4
Eu vou bem e você, como vai?

Não desconfiam a metáfora de nossas lápides
Penduradas na lataria:
Um brasão em brasas, escudo e marca do consumo
E uma placa de identificação "KFZ-1348"5

A certidão para nascer6 e morrer7
Entre tantos fantasmas sem rosto
Narcisos ao oposto
Sem endereço nem conta à pagar
Filhos legítimos do tempo presente
Amamentados nas tetas de uma cidadânia expressa
No berço esplêndido do estado paternalista

A todos aqueles que não sabem o que foram
Nem se importam com o que serão
A todos aqueles que quando deixarem de ser
O que são
Nem mais foram, nem mais serão
Não são

Essa diferença é breve e persistente como os fios do bixo da ceda
Mas é toda a diferença
A única que interessa
Sem ela não se separaria
O credo da crença
Nem a pluma se distinguiria da pena

E foi leve como a pluma e livre como a pena
Que nossos olhos se encontraram entre tantos cruzamentos
A sete palmos de tráfego8
Pelas janelas de nossas sepulturas
"Qual a música que tanto você escuta no rádio?"
Entre o silêncio de nossos carros
Na trajetória de nossos olhos

O sinal abriu, a procissão9 segue
E entra o mistério das buzinas
Você dobra a esquina e eu sigo em frente
Eu dobro a vida
Fantasminhas me pedem dinheiro
E eu me dobro10 em dívidas11

Estaciono no bar
Conformista, burguês, classe-média, alienado
Pastiche de clichês e rótulos
Feliz pelo minuto e meio de comercial
Viril como uma carteira de cigarros12

Desculpe meu bem
Eu sei que sou meio prolixo
Mas é que tudo anda tão sintético
Eu queria falar de teus olhos
Só deles, meu bem13


AVISO IMPORTANTE: Quarta-feira, dia 21/09/10, publicarei aqui no blog o primeiro poema escrito por meu irmão, Henrique Marcos Testa, chamado "Branco"... Só pra ser coruja mesmo. Abraços.

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